Frida Kahlo
As duas fridas
Monday, May 15, 2006
Sunday, February 12, 2006
Wednesday, January 18, 2006
Thursday, December 01, 2005
Wednesday, November 23, 2005
Tuesday, November 22, 2005
Monday, October 17, 2005
Warhol - Motion Pictures
Andy Warhol. Screen Test: "Baby" Jane Holzer. 1964. Film: 16mm, approx. 4 min. © The Andy Warhol Museum, Pittsburgh. Gift of The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts
Imagem Corpo Máquina
No verão de 2004, o espaço principal de exposições do KW Institute for Contemporary Art de Berlim expôs, em estilo galeria de arte para pinturas, quatorze quadros emoldurados, dos quais a maior parte eram retratos. As imagens tinham 1,5m, 2m ou 2,20m de altura e a maior parte delas representavam o retrato filmado silencioso e pausado de uma pessoa, em preto e branco. Constituíam uma exposição dos filmes em preto e branco de Andy Warhol, concebida e organizada pela Curadora Chefe de Filme e Mídia do Museum of Modern Art, Mary Lea Bandy. As imagens em exibição pareciam conectar a galeria de retratos do museu clássico aos primeiros dias do cinema.
[...]
Nos primeiros filmes não-narrativos de Warhol, os roteiros típicos, elaborados e lineares não são necessariamente lembrados, mesmo quando a câmara segue o objeto de seu desejo dentro do quarto. Observar uma pessoa dormir durante oito horas é uma experiência extremamente íntima. Em Sleep (Sono – 1963), a gravação em câmara lenta cria um tipo de ‘still’ em movimento, uma moção imóvel e ação imperceptível, dentro do tempo congelado de Warhol. O poeta filmado John Giorno não é ator; o único papel que ele faz é o dele mesmo – há outra concordância aqui que demonstra a pouca diferença entre a ‘performance’ baseada na vida real e não-representada na frente da câmera, e o papel aprendido ou improvisado que se faz para representar uma outra pessoa. Warhol compreendia a diferença sutil entre ‘performance’ e atuação, entre o documentário e a ficção, muito antes que as profecias midiáticas de Marshall McLuhan se realizassem. Os indivíduos colocados como objetos na frente da câmara nos estudos de tela de Warhol escolheram entre “ser eles mesmos” e fazer ativamente um papel, tais como os retratos criativos de artistas que se tornam caricaturas: Dalí está de cabeça para baixo e Rosenquist gira num eixo imaginário que passa entre ele e a câmera.
Quando passamos um tempo examinando um quadro, essa contemplação direta e sem mediação permite uma proximidade ao quadro que é quase chocante e reveladora. Podemos dar um passo para frente ou para trás, passar na frente do quadro, prestar atenção aos detalhes e tentar distinguir as pinceladas do artista. Se o tema pintado é um rosto, então em termos do conteúdo o observador olha para outra pessoa. O retrato de um rosto humano representa a imortalização e idealização de um momento, o tempo exato em que o modelo posou para o pintor. A pessoa está congelada na idade que tinha quando foi retratada. Contrariamente ao que acontece no conto de Wilde sobre Dorian Gray, a pessoa filmada envelhece, mas seu retrato permanece inalterado. Dennis Hopper e Susan Sontag, dois dos rostos mais conhecidos nos Screen Tests selecionados para a exposição, mostram lineamentos vulneráveis e com o charme da juventude. No mundo ‘real’ do cinema, os rostos efêmeros de Marlene Dietrich e de Greta Garbo, que se recusaram a serem fotografadas na velhice, permanecem sempre jovens nas nossas lembranças. O astro do cinema se torna a tela de projeção para os desejos do observador.
[...]
Muitas vezes o poder da beleza e da sexualidade é encontrado na diferença entre o que imaginamos e o que realmente vemos ou experimentamos. Esta diferença libidinosa é uma das forças motrizes do voyeurismo e de outras buscas da emoção da realização. Blow Job mostra somente um rosto, um pescoço e às vezes a parte superior de um corpo. O rosto, a cabeça às vezes jogada para trás sugerem crescentes emoções da parte do individuo filmado, mas depois de quarenta e cinco minutos a situação ainda não chega a nenhuma resolução ou clímax. O tema pictórico Kiss (Beijo – 1963) é o mais molhado ou mais explícito dos filmes ‘still’ selecionados para a exposição: uma série de parceiros beijando de língua no sofá de Warhol, rapazes, homens, mulheres em todas as combinações (de dois). A intimidade de beijar pode ser interpretada também como preliminares sexuais; o ato íntimo da união oral sugere mais. Esta intimidade é examinada mais ainda quando, num certo momento, a câmara abre foco para revelar o ambiente dos beijadores dentro da Factory. A boca do objeto faz um papel igualmente central em Eat (Comer – 1964), um laço de filme sem fim que mostra Robert Indiana enfiando alguma coisa na boca, enfiando alguma coisa no corpo com a mão, incorporando alguma coisa e assim simbolizando sem parar a carência do homem no seu ambiente. Henry Geldzahler (1964) troca a comida pelo charuto também codificado oralmente, ligando seu comparecimento cinemático com os Screen Tests de ‘Baby’ Jane Holzer escovando os dentes ou mastigando chiclete sensualmente (1964-66). A boca e os olhos são entradas para o corpo da pessoa filmada, dos lugares atrás da imagem, atrás do retrato, fazendo alusões à sua personalidade e às suas necessidades escondidas. O corpo sob a superfície da imagem permanece essencial.
[...]
Klaus Biesenbach
Diretor Artístico, KW Institute for Contemporary Art, Berlim
Curador do Departamento de Cinema e Mídia, The Museum of Modern Art, Nova York
fonte: MAM
Imagem Corpo Máquina
No verão de 2004, o espaço principal de exposições do KW Institute for Contemporary Art de Berlim expôs, em estilo galeria de arte para pinturas, quatorze quadros emoldurados, dos quais a maior parte eram retratos. As imagens tinham 1,5m, 2m ou 2,20m de altura e a maior parte delas representavam o retrato filmado silencioso e pausado de uma pessoa, em preto e branco. Constituíam uma exposição dos filmes em preto e branco de Andy Warhol, concebida e organizada pela Curadora Chefe de Filme e Mídia do Museum of Modern Art, Mary Lea Bandy. As imagens em exibição pareciam conectar a galeria de retratos do museu clássico aos primeiros dias do cinema.
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Nos primeiros filmes não-narrativos de Warhol, os roteiros típicos, elaborados e lineares não são necessariamente lembrados, mesmo quando a câmara segue o objeto de seu desejo dentro do quarto. Observar uma pessoa dormir durante oito horas é uma experiência extremamente íntima. Em Sleep (Sono – 1963), a gravação em câmara lenta cria um tipo de ‘still’ em movimento, uma moção imóvel e ação imperceptível, dentro do tempo congelado de Warhol. O poeta filmado John Giorno não é ator; o único papel que ele faz é o dele mesmo – há outra concordância aqui que demonstra a pouca diferença entre a ‘performance’ baseada na vida real e não-representada na frente da câmera, e o papel aprendido ou improvisado que se faz para representar uma outra pessoa. Warhol compreendia a diferença sutil entre ‘performance’ e atuação, entre o documentário e a ficção, muito antes que as profecias midiáticas de Marshall McLuhan se realizassem. Os indivíduos colocados como objetos na frente da câmara nos estudos de tela de Warhol escolheram entre “ser eles mesmos” e fazer ativamente um papel, tais como os retratos criativos de artistas que se tornam caricaturas: Dalí está de cabeça para baixo e Rosenquist gira num eixo imaginário que passa entre ele e a câmera.
Quando passamos um tempo examinando um quadro, essa contemplação direta e sem mediação permite uma proximidade ao quadro que é quase chocante e reveladora. Podemos dar um passo para frente ou para trás, passar na frente do quadro, prestar atenção aos detalhes e tentar distinguir as pinceladas do artista. Se o tema pintado é um rosto, então em termos do conteúdo o observador olha para outra pessoa. O retrato de um rosto humano representa a imortalização e idealização de um momento, o tempo exato em que o modelo posou para o pintor. A pessoa está congelada na idade que tinha quando foi retratada. Contrariamente ao que acontece no conto de Wilde sobre Dorian Gray, a pessoa filmada envelhece, mas seu retrato permanece inalterado. Dennis Hopper e Susan Sontag, dois dos rostos mais conhecidos nos Screen Tests selecionados para a exposição, mostram lineamentos vulneráveis e com o charme da juventude. No mundo ‘real’ do cinema, os rostos efêmeros de Marlene Dietrich e de Greta Garbo, que se recusaram a serem fotografadas na velhice, permanecem sempre jovens nas nossas lembranças. O astro do cinema se torna a tela de projeção para os desejos do observador.
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Muitas vezes o poder da beleza e da sexualidade é encontrado na diferença entre o que imaginamos e o que realmente vemos ou experimentamos. Esta diferença libidinosa é uma das forças motrizes do voyeurismo e de outras buscas da emoção da realização. Blow Job mostra somente um rosto, um pescoço e às vezes a parte superior de um corpo. O rosto, a cabeça às vezes jogada para trás sugerem crescentes emoções da parte do individuo filmado, mas depois de quarenta e cinco minutos a situação ainda não chega a nenhuma resolução ou clímax. O tema pictórico Kiss (Beijo – 1963) é o mais molhado ou mais explícito dos filmes ‘still’ selecionados para a exposição: uma série de parceiros beijando de língua no sofá de Warhol, rapazes, homens, mulheres em todas as combinações (de dois). A intimidade de beijar pode ser interpretada também como preliminares sexuais; o ato íntimo da união oral sugere mais. Esta intimidade é examinada mais ainda quando, num certo momento, a câmara abre foco para revelar o ambiente dos beijadores dentro da Factory. A boca do objeto faz um papel igualmente central em Eat (Comer – 1964), um laço de filme sem fim que mostra Robert Indiana enfiando alguma coisa na boca, enfiando alguma coisa no corpo com a mão, incorporando alguma coisa e assim simbolizando sem parar a carência do homem no seu ambiente. Henry Geldzahler (1964) troca a comida pelo charuto também codificado oralmente, ligando seu comparecimento cinemático com os Screen Tests de ‘Baby’ Jane Holzer escovando os dentes ou mastigando chiclete sensualmente (1964-66). A boca e os olhos são entradas para o corpo da pessoa filmada, dos lugares atrás da imagem, atrás do retrato, fazendo alusões à sua personalidade e às suas necessidades escondidas. O corpo sob a superfície da imagem permanece essencial.
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Klaus Biesenbach
Diretor Artístico, KW Institute for Contemporary Art, Berlim
Curador do Departamento de Cinema e Mídia, The Museum of Modern Art, Nova York
fonte: MAM
Sunday, October 16, 2005
O retrato por Barthes
"A Foto-retrato é um campo cerrado de forças. Quatro imaginários aí se cruzam, aí se afrontam, aí se deformam. Diante da objetiva, sou ao mesmo tempo: aquele que me julgo, aquele que eu gostaria que me julgassem, aquele que o fotógrafo me julga e aquele de que ele se serve para exibir sua arte. Em outras palavras, ato curioso: não paro de me imitar, e é por isso que, cada vez que me faço (que me deixo) fotografar, sou infalivelmente tocado por uma sensação de inautenticidade, às vezes de impostura (como certos pesadelos podem proporcionar). Imaginariamente, a Fotografia (aquela de que tenho a intenção) representa esse momento muito sutil em que, para dizer a verdade, não sou nem um sujeito nem um objeto, mas antes um sujeito que se sente tornar-se objeto: vivo então uma microexperiência da morte (do parêntese): torno-me verdadeiramente espectro."
A câmara clara
Roland Barthes
A câmara clara
Roland Barthes
Thursday, October 13, 2005
Saturday, October 08, 2005
Christian Boltanski
Thursday, October 06, 2005
Em Busca do Tempo Perdido
Tio Rudi, 1965
Gerhard Richter
Óleo sobre tela
87 x 50 cm
"Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações".
Para recuperar o passado, "todos os esforços de nossa inteligência são inúteis. Ele (...) está escondido em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) de que não suspeitamos (...)"
Marcel Proust
Gerhard Richter
Óleo sobre tela
87 x 50 cm
"Mas quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações".
Para recuperar o passado, "todos os esforços de nossa inteligência são inúteis. Ele (...) está escondido em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) de que não suspeitamos (...)"
Marcel Proust
Wednesday, September 28, 2005
Las babas del diablo
Entre las muchas maneras de combatir la nada, una de las mejores es sacar fotografías, actividad que debería enseñarse tempranamente a los niños, pues exige disciplina, educación estética, buen ojo y dedos seguros. No se trata de estar acechando la mentira como cualquier reporter, y atrapar la estúpida silueta del personajón que sale del número 10 de Downing Street, pero de todas maneras cuando se anda con la cámara hay como el deber de estar atento, de no perder ese brusco y delicioso rebote de un rayo de sol en una vieja piedra, o la carrera trenzas al aire de una chiquilla que vuelve con un pan o una botella de leche. Michel sabía que el fotógrafo opera siempre como una permutación de su manera personal de ver el mundo por otra que la cámara le impone insidiosa (ahora pasa una gran nube casi negra), pero no desconfiaba, sabedor de que le bastaba salir sin la Contax para recuperar el tono distraído, la visión sin encuadre, la luz sin diafragma ni 1/25O. Ahora mismo (qué palabra, ahora, qué estúpida mentira) podía quedarme sentado en el pretil sobre el río, mirando pasar las pinazas negras y rojas, sin que se me ocurriera pensar fotográficamente las escenas, nada más que dejándome ir en el dejarse ir de las cosas, corriendo inmóvil con el tiempo. Y ya no soplaba viento.
Las babas del diablo
J. Cortázar
Las babas del diablo
J. Cortázar
Sunday, September 25, 2005
Saturday, September 17, 2005
Dostoievski - Os demônios
Livro 1
(o diálogo de Kirillov)
-... Eu só procuro saber a razão por que os homens não atrevem a matar-se, e nada mais. Não tem importância nenhuma.
- Não se atrevem ? Pois não há bastantes suicídios ?
- Muito poucos.
- Acha ?
Não me respondeu, levantou-se e pôs-se a passear de um lado para outro.
- Que é que, segundo você, impede os homens de se suicidarem? - indaguei.
Olhou-me com ar abstracto, como se quisesse recordar-se do que estávamos a falar.
- Pouco... pouco sei. Há dois preconceitos que os prendem, duas coisas só: uma é mínima, a outra considerável. Mas a mínima também é considerável.
- Qual é essa ?
- A dor.
- A dor ? É assim tão importante ?
- Primordial. Existem duas categorias de suicidas: uns matam-se por excesso de melancolia ou por irritação, ou por loucura, não importa. Esses fazem-no sem vacilar. A loucura não os detém, matam-se logo, agem imediatamente. Quanto aos que o fazem com reflexão, pensam demasiado no caso.
- Então existem os que se destroem por reflexão ?
- São muitos. Se não houvesse preconceitos, haveria ainda mais, muito mais, toda a gente.
- O quê ? Toda a gente ?
Kirillov calou-se uns instantes.
- Haverá meio de morrer sem dor ?
- Imagine - respondeu ele, parando diante de mim - imagine uma rocha com as dimensões de um edifício colossal. Está suspensa sobre nós, nós estamos por baixo. Se nos caísse em cima da cabeça, chegaríamos a sofrer ?
- Uma rocha dessas dimensões ? É horrível.
- Não falo do medo, refiro-me à dor.
- Uma rocha tão grande... evidentemente que não sentiríamos dor.
- Mas se de facto se encontrasse debaixo dessa pedra suspensa, você teria medo de sofrer. Todos o teriam, médicos, sábios, fosse quem fosse. Sabem que não haveria dor, e no entanto assustam-se.
- E a segunda causa, a mais considerável ?
- É o outro mundo.
- Alude ao castigo ?
- Tanto faz. O outro mundo é bastante.
- Há ateus que não crêem nisso.
O homem calou-se de novo.
- Julga talvez por si mesmo ?
- Cada qual só pode julgar por si mesmo - retorquiu ele, corando - Só existirá liberdade completa no dia em que for indiferente viver ou não viver. Eis o fim, o alvo de tudo.
- Nesse caso, ninguém desejaria viver.
- Ninguém - confirmou Kirillov em tom decidido.
- O homem receia a morte porque ama a vida, eis como eu vejo as coisas - repliquei. - Assim dispôs a natureza.
- Logro vil! - exclamou, de olhos brilhantes. - A vida é a dor, a vida é o medo, e o homem é infeliz. Tudo é dor e medo. O homem, agora, ama a vida porque ama a dor e o medo. Criaram-no assim. Dá-se a vida a troco da dor e do medo, e eis aí o embuste. O homem de hoje não é ainda um homem. Há-de haver um dia o homem novo, orgulhoso, feliz, a quem será indiferente viver ou não; eis o homem novo. Esse vencerá a dor e o medo e será o próprio Deus. Deixará de haver outro deus.
- Mas Deus existe, na sua teoria ?
- Não existe, mas é . Não há dor numa pedra, mas no medo da pedra há dor. Deus é a dor do medo da morte. Aquele que vencer a dor e o medo será o próprio Deus. Surgirá então uma vida nova, um homem novo. Tudo será novo. A história dividir-se-á em duas partes: do gorila à destruição de Deus, e da destruição de Deus...
- Ao gorila ?
- ...à transformação física da Terra e do Homem. O homem será Deus; transformar-se-á fisicamente. O mundo também se transformará assim como as ações e as idéias, e todos os sentidos. Que lhe parece isto da transformação física do homem ?
- Se for indiferente viver ou não viver, todos se hão-de matar, e aí está a sua grande transformação.
- Nem mais. E mata-se a trapaça em que vivemos. Qualquer homem que deseje liberdade deverá atrever-se ao suicídio. O que ousar tal coisa desvendará o mistério do embuste. Fora disso, não há liberdade: está tudo aí; o que ousa matar-se é Deus, de modo que cada qual pode fazer com que deixe de haver Deus. E não haverá. Mas ninguém ainda experimentou.
- Tem havido milhões de suicidas.
- Todo por outra coisa, todos por medo, e não por isto que digo. Nunca para matar o medo. Aquele que se matar só para matar o medo tornar-se-á imediatamente Deus.
- Talvez não tenha tempo - observei.
- Não importa - respondeu Kirillov, calmo e ufano, quase desdenhoso. - Lastimo que você tenha vontade de se divertir - acrescentou ele daí a pouco.
(o diálogo de Kirillov)
-... Eu só procuro saber a razão por que os homens não atrevem a matar-se, e nada mais. Não tem importância nenhuma.
- Não se atrevem ? Pois não há bastantes suicídios ?
- Muito poucos.
- Acha ?
Não me respondeu, levantou-se e pôs-se a passear de um lado para outro.
- Que é que, segundo você, impede os homens de se suicidarem? - indaguei.
Olhou-me com ar abstracto, como se quisesse recordar-se do que estávamos a falar.
- Pouco... pouco sei. Há dois preconceitos que os prendem, duas coisas só: uma é mínima, a outra considerável. Mas a mínima também é considerável.
- Qual é essa ?
- A dor.
- A dor ? É assim tão importante ?
- Primordial. Existem duas categorias de suicidas: uns matam-se por excesso de melancolia ou por irritação, ou por loucura, não importa. Esses fazem-no sem vacilar. A loucura não os detém, matam-se logo, agem imediatamente. Quanto aos que o fazem com reflexão, pensam demasiado no caso.
- Então existem os que se destroem por reflexão ?
- São muitos. Se não houvesse preconceitos, haveria ainda mais, muito mais, toda a gente.
- O quê ? Toda a gente ?
Kirillov calou-se uns instantes.
- Haverá meio de morrer sem dor ?
- Imagine - respondeu ele, parando diante de mim - imagine uma rocha com as dimensões de um edifício colossal. Está suspensa sobre nós, nós estamos por baixo. Se nos caísse em cima da cabeça, chegaríamos a sofrer ?
- Uma rocha dessas dimensões ? É horrível.
- Não falo do medo, refiro-me à dor.
- Uma rocha tão grande... evidentemente que não sentiríamos dor.
- Mas se de facto se encontrasse debaixo dessa pedra suspensa, você teria medo de sofrer. Todos o teriam, médicos, sábios, fosse quem fosse. Sabem que não haveria dor, e no entanto assustam-se.
- E a segunda causa, a mais considerável ?
- É o outro mundo.
- Alude ao castigo ?
- Tanto faz. O outro mundo é bastante.
- Há ateus que não crêem nisso.
O homem calou-se de novo.
- Julga talvez por si mesmo ?
- Cada qual só pode julgar por si mesmo - retorquiu ele, corando - Só existirá liberdade completa no dia em que for indiferente viver ou não viver. Eis o fim, o alvo de tudo.
- Nesse caso, ninguém desejaria viver.
- Ninguém - confirmou Kirillov em tom decidido.
- O homem receia a morte porque ama a vida, eis como eu vejo as coisas - repliquei. - Assim dispôs a natureza.
- Logro vil! - exclamou, de olhos brilhantes. - A vida é a dor, a vida é o medo, e o homem é infeliz. Tudo é dor e medo. O homem, agora, ama a vida porque ama a dor e o medo. Criaram-no assim. Dá-se a vida a troco da dor e do medo, e eis aí o embuste. O homem de hoje não é ainda um homem. Há-de haver um dia o homem novo, orgulhoso, feliz, a quem será indiferente viver ou não; eis o homem novo. Esse vencerá a dor e o medo e será o próprio Deus. Deixará de haver outro deus.
- Mas Deus existe, na sua teoria ?
- Não existe, mas é . Não há dor numa pedra, mas no medo da pedra há dor. Deus é a dor do medo da morte. Aquele que vencer a dor e o medo será o próprio Deus. Surgirá então uma vida nova, um homem novo. Tudo será novo. A história dividir-se-á em duas partes: do gorila à destruição de Deus, e da destruição de Deus...
- Ao gorila ?
- ...à transformação física da Terra e do Homem. O homem será Deus; transformar-se-á fisicamente. O mundo também se transformará assim como as ações e as idéias, e todos os sentidos. Que lhe parece isto da transformação física do homem ?
- Se for indiferente viver ou não viver, todos se hão-de matar, e aí está a sua grande transformação.
- Nem mais. E mata-se a trapaça em que vivemos. Qualquer homem que deseje liberdade deverá atrever-se ao suicídio. O que ousar tal coisa desvendará o mistério do embuste. Fora disso, não há liberdade: está tudo aí; o que ousa matar-se é Deus, de modo que cada qual pode fazer com que deixe de haver Deus. E não haverá. Mas ninguém ainda experimentou.
- Tem havido milhões de suicidas.
- Todo por outra coisa, todos por medo, e não por isto que digo. Nunca para matar o medo. Aquele que se matar só para matar o medo tornar-se-á imediatamente Deus.
- Talvez não tenha tempo - observei.
- Não importa - respondeu Kirillov, calmo e ufano, quase desdenhoso. - Lastimo que você tenha vontade de se divertir - acrescentou ele daí a pouco.
Wednesday, September 14, 2005
Sunday, September 04, 2005
Alice Liddell
Saturday, September 03, 2005
Julia Margaret Cameron
O texto que segue foi composto pela tradução alguns trechos da biografia de Julia Margaret Cameron escrita por Jody Zellen, disponível em artscenecal.com, bem como outros breves fragmentos sobre a fotógrafa encontrados na web.
Cameron nasceu em Calcutá em 1815 e embora educada na França mudou-se para Índia em 1834 com dezenove anos. Em 1848 ela e seu marido mudaram-se para Inglaterra. Cameron fazia parte de uma família grande, sendo a quarta de dez crianças.
Sua carreira como fotógrafa começou em 1863, ano em que seu marido estava ausente em um desengate. Para amenizar a solidão, sua filha (segundo outras fontes, uma irmã) deu-lhe uma câmera fotográfica. Cameron começou a fotografar todos que via. Por causa da novidade da fotografia como uma prática, estava livre fazê-la independente de regras, não se limitando a convenções. Os tipos das imagens que estavam sendo feitas naquela época não interessaram a Cameron, mais concentrada em capturar um outro tipo da verdade fotográfica, não dependente da exatidão, do detalhe afiado, mas que descrevesse o estado emocional de seu modelo.
Cameron trabalhou com negativos grandes em placas de vidro e por conta disso, suas imagens requeriam que os modelos fossem expostos à câmera por períodos de tempo longos. Como isto era difícil de conseguir, suas imagens freqüentemente saíam com áreas desfocadas. Agradavam-lhe os retratos macios de foco e as marcas de raia em seus negativos, assim escolheu assumir estas irregularidades em suas imagens. Embora a suas fotografias faltasse a agudeza que outros fotógrafos aspiravam naquele tempo, estes a estes sucedeu divulgar a aura emocional e espiritual dos modelos de Cameron. Sua ambição como fotógrafa era fixar o caráter e os usos da arte elevada combinando real e ideal, e não sacrificando nada da verdade por toda a devoção possível à poesia e à beleza.
Em 1873 Cameron enviou a sua irmã Maria (Mia) Jackson um álbum de foto parcialmente vazio, pedindo a ela que colaborasse com seu projeto nos anos que seguissem adicionando imagens, que lhe enviaria, nos lugares e na seqüência que descrevera. A primeira metade do álbum continha fotografias e os retratos Cameron fizera de seus família e amigos. A metade final continha imagens por contemporâneos de Cameron como Oscar Gustave Rejlander (veja post abaixo) e Lewis Caroll, bem como fotografias de numerosas pinturas e desenhos. Embora Cameron fosse vista como uma fotógrafa não convencional e experimental, suas imagens têm lugar na historia da fotografia, seus álbuns de família são reconhecidos não somente como originais de uma história de família, mas fornecem também introspecções da sociedade de Vitoriana. Suas fotografias passaram muito tempo esquecidas, até que foram recuperadas por Alfred Stieglitz.
A maioria das fotografias de Cameron são retratos, nos quais usou membros de sua família como modelos. Estava interessada em dar a conhecer sua beleza natural, pedindo freqüentemente aos modelos femininos que deixassem os cabelos soltos para mostrá-los de uma maneira que não estiveram acostumados a se apresentar. Além de fazer retratos evocativos dos assuntos masculinos e femininos, Cameron também encenou quadros, para os quais fez posarem modelos em situações que simulavam pinturas alegóricas.
O álbum de Mia continha ambos os tipos de imagens e suas fotografias mais famosas, nas quais se inclui “O Beijo da Paz”, um retrato de uma mãe e da criança baseada na história da religiosa da Visitação*. Na fotografia a criança olha para baixo, enquanto os lábios da mãe descansam ocasionalmente em sua testa. Esta é uma imagem calma, em que se projeta o amor maternal. A maioria das fotografias de Cameron possui uma sensibilidade espiritual, são calmas e românticas, de clima lúgubre e contemplativo. Se nota em todas elas uma profunda influência da pintura pré-rafaelista, especialmente em sus obras religiosas, poéticas ou mitológicas. Ela não fotografava ações ou se importava muito com os fundos.
* No texto original: “gospel story of the Visitation”.
** Direitos das imagens reservados à coleção de Hochberg-Mattis.
GALERIA DE IMAGENS E BIOGRAFIA NO FORMATO .DOC
Thursday, August 25, 2005
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