Wednesday, July 27, 2005

Comentarios sobre Arte Modernista no Brasil - Tarsila

Ao se falar sobre arte no Brasil, somos remetidos à intenção modernista de criar uma arte de caráter nacional, e nesse sentido pergunto: a necessidade de afirmar a autonomia da pintura (como se configurava em outros países e foi um dos assuntos chave da teoria greenberguiana) não estaria sendo substituída por uma euforia de brasilidade que abordou essa questão calcada na literalidade e no regionalismo? A arte modernista brasileira seguiu os mesmos princípios internacionais, teve êxito em seu objetivo ou se configurou como uma adaptação de linguagens importadas aos critérios de aceitação nacionais?

O problema é atual na medida em que os artistas podem estar continuando a se espelhar em realidades alheias ao seu contexto, o que implica na criação de uma arte descompromissada não só com um caráter nacional (ainda que não acredite que essa deva ser a finalidade de uma obra de arte), mas descompromissada com ela mesma, se pensarmos arte como manifestação da expressão individual e coletiva em um determinado espaço-tempo.

Nos trabalhos de Tarsila do Amaral, por exemplo, a ênfase na referência ao caráter nacionalista da arte pode ser encontrada no emprego de cores “caipiras” (Abaporu), no apelo social e político (Trabalhadores), sendo estas características que estão longe de configurar uma totalidade.

Do ponto de vista de sua temática (cultura regional, desigualdades sociais, a tecnologia nos centros urbanos) ao tratá-la a partir de fatores regionais acredito que se passa longe de idenificar uma identidade nacional como intentava a mais ousada proposta modernista no país. Aspectos que poderiam ser abordados de um ponto de vista mais abrangente seriam aqueles aos quais todos, ou a grande maioria da população tem acesso.

Do ponto de vista da linguagem o Brasil é um país composto por culturas diversas e miscigenações cujas influências se fazem sentir com maior impacto em regiões geograficamente mais específicas. Não se poderia afirmar que um índio ou um mineiro representam a cultura nacional, ou qualquer outro arquétipo da população isoladamente, do mesmo modo como não se pode afirmar que um cocar ou as cores de artesanato em diferentes tonalidades apasteladas, sob uma visualidade "simplista" de influência européia, configuram a identidade de um povo.

Estes aspectos, na minha opinião, fazem pensar que a aclamada obra de Tarsila deixa a desejar, se não vai além do esboço de uma linguagem infantilizada em cuja superficialidade se escancaram intenções que impossibilitam trancender pequenos focos da realidade brasileira na primeira metade do século XX.

Thursday, July 14, 2005

Jenny Holzer

Instalação na Times Square Spectro Billboard

Thursday, July 07, 2005

Relatórios sobre perdas

Zoe Leonard
1961 NY, EUA; onde vive e trabalha até hoje

Zoe Leonard vê a sua abordagem da fotografia como uma espécie de observação, a qual compara também à atividade da caça e da recolha: o seu ponto de partida é sempre algo dado, um objeto ou situação, com que depara nas viagens, embora a atenção que dedique a cada objeto resulte do interesse pessoal que considere que tem para si. Com isso, o seu trabalho adquiriu uma constante, nomeadamente uma preocupação com a percepção visual: “Trata-se do poder da visão e do poder de uma verdade subjetiva” A câmara toma o lugar do olhar, substitui-me”. Ainda que Leonard afirme que não faz parte de qualquer tradição fotográfica, e que procede muito de forma instintiva, podem, no entanto, encontrar-se referências históricas no seu trabalho. Na série de vistas aéreas, criada em meados da década de 80, que procura localizar vestígios da civilização, ela parece ir buscar inspiração à série de Ed Ruscha, Parking Lots, de 1967. Noutros trabalhos, como os manequins de montra, as vitrinas e os modelos anatômicos, ela volta aos métodos usados na fotografia surrealista. A sua obra distingue-se menos por um uso sensível da luz e da composição que pelos temas perturbadores e fragmentários, e por um sentido dos materiais que não procura ocultar a qualidade efêmera e utilitária do meio. Muitas da imagens de Leonard mostram vestígios de uso: “A razão por que deixo o pó nas minhas obras em exposição e não corrijo as perfurações e falhas é porque quero que o observador perceba que uma fotografia é uma obra sobre papel. É um objeto. Não é a realidade. Não é verdadeiro.” Da mesma forma, ao nível pictórico, ela concebe estratégias para abalar o caráter ilusório da imagem fotográfica e a pretensão a um ponto de vista neutro e superior invisível: em alguns trabalhos, vêem-se as estruturas através das quais tirou as fotografias, como a janela de um avião que se introduziu no campo de visão enquanto fotografava uma formação de nuvens. Na década de 1990, Leonard deixava normalmente uma guarnição preta em torno de suas fotografias quando fazia as impressões, a fim de enfatizar o seu caráter material.

Na década de 1980, Leonard trabalhou não apenas na área artística, mas também no domínio do ativismo político, o que exige outras formas de produção e outras leituras. No entanto, mesmo quando Zoe Leonard explora o trabalho artístico por sua própria conta, independentemente das premissas, este não pode ser separado dos seus projetos de ativista. Como membro do Act Up (Aids Coalition to Unleash Power), do grupo feminista WAC (Women’s Action Coalition), e dos coletivos de mulheres artistas Gang and Fierce Pussy, de que foi membro fundador, Leonard luta, entre outras coisas, contra as políticas restritivas da AIDS nos EUA. As suas ações, que são levadas a cabo com os meios empregados pela publicidade, são dirigidas contra o sexismo e a estigmação de soropositivos, exigindo igualdade social e cuidados médicos adequados.

Em 1992, Leonard instalou um dos seus primeiros trabalhos com base num site da documenta 9, introduzindo-lhe um elemento do seu trabalho como ativista. Entre os retratos históricos de mulheres que já existiam nas salas do museu, introduziu fotografias de vaginas ao estilo dos cartazes do Gang, numa alusão também so quadro L’Origine du Monde, de Gustave Courbet, 1866. Leonard queria chamar a atenção para o fato de “as mulheres serem demasiado representadas como objetos, mas pouco representadas como produtoras. Nisso, o nosso sexo está demasiado representado como algo para que se vê, mas pouco representado como algo que experienciamos”.


De 1992 a 1997, dirigiu sua atenção para uma obra serena e frágil intitulada Strange Fruit (Estranho Fruto), derivada com seu confronto com a morte de um amigo, David Wojnarowicz. Espalhou cascas de fruta cheias de algodão, ou acrescentou-lhes um fecho-éclair para poderem ser fechadas e criarem o aspecto de frutos inteiros. As cascas vazias atuavam como objetos de transição no seu processo de luto e recordação; o ato de reparação e junção dos pedaços estava dirigido para a reconstrução da memória da pessoa perdida, a criação simbólica de um passado “cicatrizado”. As fotografias que ela tirou nesse âmbito – artigos de roupa suja, uma cicatriz no corpo da mãe ou um dente postiço que usou quando era criança, “são (...) a procura de beleza em locais onde fomos feridos pela violência ou a negligência”.

Strange Fruit (for David) (detail), 1992-’97; by Zoe Leonard; fruit peel (orange), thread, needle, variable dimensions. Photo by Vivien Bittencourt from a 1995 installation at Paula Cooper Gallery, New York.


Uma sociedade que não suporta desvios

Uma série fotográfica recente, mostrada em 1998 no Centre Nacional de la Photographie, em Paris, centrou-se no tópico da preocupação culturalmente específica da natureza e no seu domínio pelo homem. Um grupo de trabalho documentou a quantidade de árvores existente no espaço urbano, as quais, crescendo por trás de grades e proteções, desenvolvem deformações reais, mas que não deixam de ser interessantes, onde parecem tocar ou abraçar a rede de arame que as ladeia. Fotografias de animais mortos em caçadas, como uma cabeça de urso cortada e abandonada no solo, cria a ligação ao tópico da morte em Preserved Head os a Bearded Woman (Cabeça Preservada de uma Mulher Barbuda), 1991, nas quais Leonard prossegue uma forma de reconstruir memórias diferente da de Strange Fruit.


Em Preserved Head, ela mostrou a cabeça cortada e preservada de uma mulher com barba que ela descobriu num arquivo obscuro do Musée Orfila, em Paris. É um objeto sem nome ou identidade, que foi obrigado a servir de exemplar científico de “formas biológicas desviantes”: “Do meu ponto de vista, esta série não é tanto sobre a mulher com barba, mas sobre nós como sociedade que não suporta desvios. (...) Como é que o seu corpo pode ter ido parar nas mãos de gente que a decapitou?”

Preserved Head of a Bearded Woman, Musée Orfilia, 1991
Serie mit 5 Fotografien, Gelatin-Silber-Papier, s/w
90 x 62 cm, 60 x 41 cm, 78 x 53 cm, 91 x 62 cm, 67 x 47 cm
courtesy: Paula Cooper Gallery, New York

Em 1997, Leonard foi buscar uma vez mais supostos aspectos da identidade sexual e as compulsões normativas para a adoção de categorias sexuais não ambíguas em The 1998 Bearded Lady Calendar (Calendário de 1998 da Mulher Barbuda). Ela fotografou a sua amiga Jennifer, uma mulher com barba, em poses sexualmente sedutoras de “pin-up”, como as poses conhecidas dos ícones culturais dos calendários de Marilyn Monroe ou da Pirelli. A barba, contudo, impede as fotografias de serem contempladas da forma heterossexual comum, e, ironicamente, abalam os sinais eveidentes femininos da disponibilidade sexual.


Para a série “The Faye Richards Photo Archive” (Arquivo Fotográfico de Faye Richards), 1993-1996, Leonard encenou a fotobiografia de uma lésbica negra lendária que viveu em inícios do século XX. Além do seu trabalho como criada, Faye Richards é atriz de cinema, uma mulher que na vida real teria ficado na obscuridade, uma vez que não há registro oficial da história de uma tal “Black Hollywood”.


Fonte: "Mulheres Artistas nos séculos XX e XXI", Editado por Uta Grosenick, Ed. Taschen.